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Crise em Moçambique: “Bispos e igrejas têm de tomar posição”

A crise política em Moçambique, desencadeada pela contestação dos resultados das eleições gerais de 9 de outubro, continua a gerar tensões no país, com protestos e distúrbios em várias regiões. O investigador português Fernando Jorge Cardoso, em entrevista à DW, defende que as igrejas em Moçambique, tanto católicas quanto protestantes, têm uma responsabilidade crucial no processo de mediação da crise e na promoção de um diálogo inter-religioso para resolver o impasse político.

Cardoso, especialista em Assuntos Africanos e professor na Universidade Autónoma de Lisboa, acredita que as instituições religiosas têm um papel fundamental, dado seu histórico de mediação em conflitos no país, como foi o caso da mediação da paz entre a FRELIMO e a RENAMO nos anos 90. Para ele, as igrejas têm a credibilidade e a presença em todo o território moçambicano necessárias para ajudar a restaurar a confiança no processo eleitoral e encontrar uma solução para a crise.

A Necessidade de Novas Eleições

Em sua análise, Fernando Jorge Cardoso defende que, para resolver a crise, é fundamental a realização de novas eleições. Ele afirma que a alegação de fraude eleitoral por parte da oposição, especialmente liderada por Venâncio Mondlane, não pode ser ignorada. “Venâncio Mondlane e todo o grupo que o apoia defendem que houve uma fraude generalizada em todo o país. A partir do momento em que há uma fraude generalizada, não há nenhum candidato que possa dizer que ganhou e assumir o poder”, explica o investigador. Ele acredita que a única forma de restaurar a credibilidade eleitoral é repetir o processo, com supervisão internacional e a presença das igrejas como observadoras confiáveis.

Cardoso também critica o que chama de “grupo entrincheirado no poder”, que não se limita à FRELIMO, mas a um pequeno núcleo de pessoas que controla os recursos do país, como minas e terras, e que está comprometido em manter o poder a todo custo, incluindo através de práticas de repressão. Para ele, as igrejas, por sua presença e respeito junto à população, são a única estrutura que poderia mediar o diálogo e garantir a imparcialidade do processo.

O Papel das Igrejas: Diálogo Inter-religioso

Cardoso sugere que, assim como foi feito no passado, as igrejas devem liderar um diálogo inter-religioso para unir diferentes grupos e buscar uma solução pacífica. Ele lembra que, durante o processo de paz entre a FRELIMO e a RENAMO, os bispos católicos e outras organizações religiosas desempenharam um papel crucial, com a ajuda da Comunidade de Santo Egídio. O investigador propõe que tanto a Igreja Católica quanto as igrejas protestantes, incluindo as mais antigas, além das associações islâmicas, se unam em um esforço ecumênico para promover um diálogo genuíno entre as partes envolvidas.

“Eu creio que, por um lado, a Igreja Católica, e por outro lado, as igrejas protestantes mais antigas, e também as associações islâmicas, deveriam promover um diálogo inter-religioso, para conseguirem se juntar e dizer a ambas as partes que é necessário parar com essa situação em Moçambique e resolver isso de maneira a que haja uma aceitação popular dos governantes”, afirmou Cardoso.

O Conselho Constitucional e a Falta de Credibilidade

O especialista também expressa preocupações com o andamento da contagem de votos pelo Conselho Constitucional de Moçambique, que, segundo ele, se encontra diante de uma “situação impossível”. Cardoso sugere que, se o Conselho Constitucional tiver evidências suficientes de fraude, ele deveria interromper a contagem e pedir à autoridade competente para organizar novas eleições. Caso contrário, o processo eleitoral será indefinidamente questionado, exacerbando ainda mais a crise.

“Acho que o Conselho Constitucional deveria ser claro e dizer: ‘Temos evidências suficientes para considerar que estas eleições foram fraudulentas’. Assim, poderiam pedir a organização de novas eleições”, sugere o investigador. Ele também critica a maneira como o governo moçambicano tem tratado os protestos, minimizando a insatisfação popular, que não se restringe apenas a jovens marginalizados, mas inclui funcionários públicos, a classe média e outras camadas da sociedade, que se mostram descontentes com a situação.

Venâncio Mondlane: Agitador ou Líder Popular?

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Em relação ao candidato presidencial Venâncio Mondlane, apoiado pelo partido PODEMOS, Cardoso considera que ele tem sido tratado de forma equivocada por parte das autoridades. Embora o defina como “um agitador”, o investigador argumenta que Mondlane está, na verdade, exercendo um papel importante ao denunciar o que considera uma fraude eleitoral e ao atrair apoio popular significativo. “Venâncio Mondlane é um agitador, sim, mas um agitador no sentido em que está a denunciar uma fraude e tem o apoio generalizado por parte da população”, explica Cardoso.

O investigador acredita que a acusação de “tentativa de tomar o poder por meios ilegítimos” é infundada, já que Mondlane está simplesmente exigindo um novo processo eleitoral mais justo. Segundo Cardoso, a melhor saída para a crise seria a realização de novas eleições, com supervisão internacional e a participação ativa das igrejas na mediação.

A Responsabilidade das Igrejas

Fernando Jorge Cardoso conclui sua análise destacando a responsabilidade das igrejas em Moçambique para além de comunicados formais. Ele acredita que as igrejas precisam dar um passo adiante e se envolver ativamente, chamando as partes para um diálogo e ajudando a garantir que o processo eleitoral seja transparente e justo. “As igrejas têm uma responsabilidade que vai muito para além de fazer comunicados. Elas têm de tomar uma posição. Devem fazê-lo, têm a obrigação de o fazer perante aquilo em que acreditam”, afirma o especialista.

A situação em Moçambique continua a ser uma das mais desafiadoras da atualidade, com a crise política afetando a estabilidade do país. A atuação das igrejas e a realização de novas eleições são vistas por muitos como as únicas formas de restaurar a credibilidade no processo democrático e garantir um futuro pacífico e justo para todos os moçambicanos.

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