Ministro de Moçambique em Angola: Trata-se de Interferência ou Ajuda?
Embora a visita tenha sido anunciada como uma missão normal para reforçar os laços de cooperação entre dois países irmãos, com uma história de amizade e solidariedade desde a luta armada pela independência, o momento e a função da figura enviada pelo presidente moçambicano, Filipe Nyusi, geraram questionamentos em Angola e em Moçambique.
José Gama, jornalista e diretor do portal Club-K, não tem dúvidas de que a viagem de Pascoal Pedro Ronda a Angola, acompanhada de um certo secretismo sobre a agenda da reunião com o presidente angolano João Lourenço, reflete um reforço da cooperação na área da segurança pública. “Moçambique, estando num contexto de contestação eleitoral e conflito, provavelmente tratou de assuntos que não queriam que fossem divulgados ao público, nem nacional nem internacional”, afirma Gama.
O jornalista sugere que o que foi discutido durante a visita pode ser de natureza sensível, relacionado à ordem pública, e que a divulgação desses detalhes poderia gerar constrangimentos para ambos os países. “Dado o contexto atual de Moçambique, é possível que o acordo tenha sido relacionado ao controle das manifestações e da oposição, o que indicaria um reforço da repressão”, acrescenta Gama.
Visita precedida de felicitações e controvérsias
A visita de Pascoal Pedro Ronda ocorreu logo após a deslocação de um diplomata angolano a Moçambique e das felicitações de João Lourenço a Daniel Chapo, o candidato presidencial da FRELIMO, declarado vencedor das eleições de 9 de outubro pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), apesar da impugnação do processo pela oposição. Naquele momento, o posicionamento de Lourenço foi alvo de críticas, especialmente de setores da oposição moçambicana, que contestavam os resultados eleitorais.
A visita do ministro moçambicano também surge em um contexto delicado, com acusações de envolvimento de serviços de inteligência de Angola em questões internas de Moçambique, particularmente no conflito pós-eleitoral. António Soliya Solende, membro do comité central do Partido de Renovação Social (PRS), comentou que esse alegado envolvimento coloca Angola numa posição desconfortável. “A presença do ministro do Interior de Moçambique em Angola nesta altura é um estigma, especialmente após as acusações de que a segurança do Estado angolano teria tentado assassinar Venâncio Mondlane”, sublinha Solende.
Venâncio Mondlane, candidato presidencial apoiado pelo partido PODEMOS, lidera a oposição moçambicana, que tem organizado manifestações em várias cidades para reivindicar a vitória nas eleições de 9 de outubro, desafiando o resultado oficial e denunciando fraudes.
A reação em Angola e as implicações políticas
José Gama também observa que, apesar de Angola ter uma longa experiência na gestão de manifestações e protestos, sua aproximação com a FRELIMO torna a posição do país no contexto de Moçambique algo problemático. “Neste cenário, não se espera que Angola desempenhe um papel positivo de mediação ou ajuda para a resolução da crise, mas sim que se alinhe com a repressão, dada a sua proximidade com o governo de Filipe Nyusi”, afirma o jornalista.
Esse panorama coloca em xeque o papel de Angola como possível mediadora em um momento de crescente tensão política e social em Moçambique. A situação, segundo observadores, pode se transformar em um ponto de discórdia nas relações entre os dois países, caso a cooperação na segurança pública envolva medidas de repressão à oposição moçambicana.
Moçambique em crise
Em Moçambique, o descontentamento com os resultados eleitorais tem gerado uma crescente instabilidade, com a oposição denunciando fraude e exigindo novas eleições. A situação tem levado alguns analistas a afirmar que as recentes disputas eleitorais foram “a gota d’água” para a exacerbação do clima de conflito e insatisfação popular.